Não pude prestar atenção no mendigo
da esquina. Nem catar trocados para o pequeno que limpou o pára-brisa. Não
posso dar a vez para a pessoa do outro carro.Ou vou me atrasar para o trabalho.
Por falar nisso, lá vai o chefe. Está
à beira de um infarte! Problemas com outro embarque. As pessoas que o amam, ele
não escuta. Sua vida é labuta, labuta e labuta. E se a vida é curta, é curta, é curta. Quem sou eu pra lhe dizer?
Não pude prestar atenção no mendingo
da esquina. Nem catar trocados para o pequeno que limpou o pára-brisa. Não
posso dar a vez para a pessoa do outro carro. Ou vou me atrasar para o trabalho.
O dono daquela fábrica tem dinheiro
até a ponta do nariz. Pobre coitado, não me parece feliz. Grosso e mal educado,
como pode alguém tão instruído parecer um cavalo? Nem eu nem os outros que se
assustam sabe. Mas em seu íntimo um sentimento lhe invade: o de provar pra
num-sei-quem que é capaz de num-sei-quê-lá. Ele é um batalhador. E pra batalhar,
há que ferir-se. Seu dinheiro e prestígio e angústia e noites mal dormidas,
longe de esposa e filhos vale o sofrimento. Muitos queriam estar no lugar dele.
Não pude prestar atenção no mendingo
da esquina. Nem catar trocados para o pequeno que limpou o pára-brisa. Nem
parar para o pedestre passar. Eu ia me atrasar para o trabalho. Quando, apressada,
cruzei o sinal vermelho. E um caminhão me acertou em cheio. Como foi rápido! Se
eu soubesse, não teria engolido o café! Agora no túmulo, não será eu quem contará
a moral da memória, senão ossos ressequidos, carne pútrida, matéria fétida,
carcaça.
Perdemos a vida, enquanto
tentamos ganhá-la.